Independente de posição religiosa gostaria de compartilhar com os meus leitores a entrevista com o lama Padma Samten que achei bastante interessante e oportuna, já que estamos no momento de fazer promessas e renovar as esperanças para o novo ano.
Fonte: Diário de Permanbuco (27/12/2010)
Com um visual tipicamente budista, o lama Padma Samten adentra tranquilamente a sala de estar de um apartamento simples, localizado nos arredores do Cais de Santa Rita, no bairro de São José, no Recife. É lá que o gaúcho batizado com o nome de Alfredo Aveline, 61 anos, fica hospedado quando está de passagem pelo Recife para proferir palestras. No budismo, lama significa sacerdote, líder, professor. É dessa forma que o mestre budista Padma Samten é conhecido hoje. Mas nem sempre foi assim. Físico, com bacharelado e mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Alfredo Aveline foi professor entre 1969 e 1994. Na década de 1980, mergulhado no entendimento da física quântica, encontrou afinidades entre os estudos dessa ciência exata e o budismo e encantou-se a ponto de, em 1996, ser ordenado lama pelo mestre tibetano Chagdud Tulku Rinpoche. Desde então, o trabalho de Padma Samten está voltado à prática da meditação, de retiros, à compreensão da espiritualidade e da cultura de paz como caminho para que as pessoas desenvolvam boas relações sociais no ambiente onde vivem. Na entrevista abaixo, ele fala sobre o significado da felicidade e sobre a boa convivência com os semelhantes.
Na sua passagem pelo Recife, o senhor falou sobre o tema Como superar a violência e encontrar a paz. Qual caminho devemos trilhar para alcançar a pacificação?
A violência é inerente à mente obstruída. Um ator, por exemplo, pode se confundir com o próprio papel e viver como se fosse o personagem, se estiver com a mente obstruída. Quando falamos de nós mesmos, verificamos que a maior parte é ator de si mesmo, assume vários personagens ao longo da vida. O psiquiatra Roberto Fischer comentou certa vez: ´Eu ajudo as pessoas a deixarem de ser o que elas não são`. A mente obstruída se caracteriza pela pessoa que pensa que é o que não é. A relação disso com a violência é que, para nos defendermos, assumimos determinados personagens e a partir daí podemos gerar violência.
Em que momentos da vida assumimos novos personagens e como podemos assumir papéis melhores na sociedade?
Ao longo da vida, vamos ter várias mortes de personagens, o que consequentemente nos dá a sensação de continuidade, mesmo vivendo as várias mortes. Eu, por exemplo, já fui professor universitário e hoje já não sou mais. Um personagem pode morrer, por exemplo, quando um casamento acaba, quando perde-se um amigo. Quando essas tragédias acontecem, é mais fácil ver quem realmente somos, pois ocorrem o que chamamos de dissolução da identidade. A resposta para essa pergunta é a espiritualidade, o silêncio natural que damos à nossa mente. Independentemente do budismo, somos o silêncio que temos sempre. Os personagens são lúdicos, podemos ter vários. Eles podem não ser bons, nem maus, mas é importante não sermos maus. Se escolhermos sermos seres dos reinos inferiores, teremos sofrimento, apesar de que em todos os seis reinos do budismo há algum nível de sofrimento.
Como encontrar o silêncio em nossa mente? Através da meditação?
Sim. É importante ficarmos em silêncio, não importando a nossa orientação religiosa. Para meditar, em primeiro lugar o corpo deve ficar equilibrado, não importa se sentado ou se em pé, o importante é se sentir bem. O objetivo dessa mente em silêncio é encontrar a lucidez.
Como a passagem do ano pode incentivar as pessoas a manter uma cultura de paz?
A passagem do ano faz parte do calendário gregoriano, cristão, não está implantada no calendário budista. Há ainda o Natal, que também não é do calendário budista, mas nós seguimos todas essas comemorações de acordo com a cultura local, de acordo com a cultura dos povos por onde o budismo passa. Acreditamos que não é necessário instituir na localidade a essência da nossa religião nessas datas. De toda forma, o que imaginamos do Ano Novo é o sentido comum, ou seja, o fim do ano representa, ao mesmo tempo, o início de outro ano. Na prática, as pessoas esperam chegar meia-noite, comem lentilhas, tomam champanhe. Nada muda, na verdade, mas elas fazem festa. Em Viamão, no Rio Grande do Sul, onde atuo em um centro budista, nós fazemos o que chamamos de 108 horas de paz. Nessas ocasiões, dedicamos vários dias para discutir diferentes temas como educação, ação social. Ficamos felizes, trocamos experiências, fazemos planejamentos para o ano que chega.
Como melhorar as relações que não vão bem?
Aproveite para rezar. Peça que o outro seja feliz, que supere o sofrimento e que encontre as causas da felicidade. É importante dizer isso a si mesmo, de forma constante. A vida melhora. Não é necessário dizer ao outro diretamente. Um médico, por exemplo, só trabalha com doentes e poderia se contaminar. Mas ele pensa sob outro ponto de vista e diz: ´Estou no lugar certo para ajudar as pessoas`.
Por que tragédias familiares são tão comuns ao final do ano?
Nesse período, há muitasexpectativas de felicidade e, por isso mesmo, acontecem muitas frustrações porque nem sempre é possível acompanhar as expectativas. Todo mundo é cobrado de ser feliz, principalmente nessa época.
Qual o segredo da felicidade?
O segredo da felicidade é simples. De modo geral, ficamos pensando o que precisamos para sermos felizes. Questionamos sobre o que o mundo e os outros podem nos oferecer para alcançarmos a felicidade. Mas ao observarmos o mundo assim, nos desencantamos. É preciso uma atitude positiva para com os outros. A pessoa pode mudar o olhar interior dela. Aspirar que o outro tenha níveis de felicidade. Cada um que olharmos assim, surge em nós um nível de felicidade, encontramos uma experiência de felicidade. Não devemos cobrar dos outros e do mundo que eles sejam do nosso jeito porque isso vai causar frustração em nós. Pensar de outra forma traz alívio. As pessoas felizes esperam, essencialmente, o bem dos outros.
Essa atitude permite que a cultura de paz seja vitoriosa?
A cultura de paz produzfelicidade. A pessoa feliz sabe viver melhor no mundo. As pessoas frustradas não sabem produzir uma capacidade de desenvolver simpatia com relação aos outros. Na cultura de paz, ficamos melhor com os outros e desenvolvemos capacidade de nos apoiar nos outros e apoiar os outros. Andar só é fator de infelicidade.
Independente de posição religiosa deixo esta entrevista feita pelo DP como reflexão para 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário